GO é um jogo de tabuleiro milenar criado na China. O objetivo é claro: cercar territórios. A mecânica é simples: apenas um tipo de peça, apenas um tipo de movimento. Entretanto, o GO é considerado o jogo mais complexo já criado pelo ser humano. A expressão máxima dessa complexidade talvez esteja na infinidade de jogadas concebíveis ao início de uma partida. Estima-se que sejam possíveis, pelo menos, 10170 jogadas. São mais opções em um único jogo do que o número de átomos no universo! É por esse motivo que muitos enxergam o GO como um jogo de intuição.
A possibilidade de criar uma máquina que conseguisse pensar como o cérebro humano levou a DeepMind, empresa inglesa de inteligência artificial da Google, a criar o AlphaGO, um algoritmo de IA capaz de jogar GO. Não existe poder computacional suficiente que permita a uma máquina prever todas as jogadas possíveis. Atualmente, um programa de computador demoraria quatro horas para antecipar apenas oito jogadas, quatro de cada jogador. No GO, estima-se que cada movimento possa afetar o desenrolar de, pelo menos, 100 jogadas subsequentes. Logo, tal programa não teria nenhuma vantagem frente a um jogador profissional. Para ser bem-sucedido, o AlphaGO teria que aprender a intuir.
Após ser treinado com informações de milhões de partidas, em 2016, o AlphaGo desafiou o coreano Lee Sedol, o melhor jogador de GO em atividade naquele momento, campeão mundial dos 10 anos anteriores.
Uma lenda.
Lee Sedol começou perdendo as três primeiras partidas da série de cinco. Na terceira derrota, porém, Lee ficou deslumbrado pelo oponente. Na jogada de número 37, o AlphaGo realizou um movimento aparentemente simples, mas tão criativo, que acabou com as possibilidades de vitória de Lee. A chance dessa jogada ter sido realizada por um humano era de uma em 10 mil.
Lee começou a quarta partida determinado a recuperar o próprio orgulho e o de seus milhões de fãs, a quem ele julgava ter decepcionado. Com o avançar do jogo, ele ficava cada vez mais acuado. Tudo indicava que ele seria novamente derrotado. Depois de 30 minutos de reflexão, Lee fez a jogada 78, um movimento tão inusitado, belo e eficaz que, mais tarde, seria conhecido como o “Toque de Deus”. O AlphaGo respondeu inconsistentemente ao movimento e, pela primeira e última vez, Lee derrotou a máquina. Depois da partida, para tentar entender a jogada 78, a equipe do AlphaGO identificou que o movimento de Lee tinha a mesma probabilidade – 1 em 10 mil – de ser realizado por um humano.
O que aparentava ser um embate entre homem e máquina foi, na verdade, a maior expressão já vista da colaboração entre os dois.
A máquina, forçada pela resiliência do intelecto humano, respondeu com a inusitada e fascinante jogada 37, demonstrando que o AlphaGO poderia sim ser criativo. Do outro lado, o homem, pressionado ao seu limite, executou o irretocável movimento 78. Será que se Lee Sedol não tivesse jogado os três primeiros jogos contra o AlphaGo, ele teria encontrado o “Toque de Deus”?