Dados em saúde: Quem é esse Pokémon?

vamos mostrar o quão vasto é o campo de dados em saúde e frisar o quão rico são os insumos para o trabalho dentre desse campo.
Dados em saúde: Quem é esse Pokémon?
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A principio, acho que devemos começar pelo básico, solidificando bem os conceitos mais basilares, para só então nos aventurarmos nas aplicações mais avançadas, agora com a segurança de uma base sólida.

Nesse sentido, a ideia da vez é falar justamente sobre a natureza dos dados em saúde. Para tanto, tomemos o interessante diagrama abaixo (Feldman, K., Johnson, R. A., & Chawla, N. V., 2018), que descreve muito bem quantos são os tipos de dados possíveis dentro deste universo, desde o nível ômico de um indivíduo, até o nível agregado de toda uma população.

Especto de dados de saúde. Fonte: Feldman, K., Johnson, R. A., & Chawla, N. V. (2018).



Essa figura te faz lembrar algum outro esquema? Para quem não atinou logo de primeira, perceba a semelhança com o famoso modelo dos determinantes de saúde de Dahlgren e Whitehead, 1991.

Determinantes sociais de sáude. Fonte: DAHLGREN, Göran; WHITEHEAD, Margaret (1991)

Ora, isso significa que cada dimensão da vida de uma pessoa ou de uma população pode virtualmente ser capturada em uma abstração, a que chamamos de dado. Não necessariamente digitalizado, esse dado descreve, de algum modo, quantidades, qualidades e fatos sobre determinada "coisa" no mundo real, aqui especificadamente sobre alguma coisa relacionada à área de saúde.

Particularmente, eu já tive contato, na prática, com vários desses tipos de dados, estruturados ou não. Em próximas publicações comentaremos mais a fundo sobre cada um desses tipos, assim como necessariamente teremos de falar sobre a dificuldade de extrair esses dados (API), a dificuldade de tratar esses dados (ETL e ELT), a dificuldade de relacionar esses dados entre si (MPI), etc. Mas isso, como dissemos, são assuntos mais avançados, a serem abordados em próximos capítulos.

Por hora, nos basta mostrar o quão vasto é o campo de dados em saúde e frisar o quão rico são os insumos para o trabalho dentre desse campo. Adicionalmente, do ponto de vista de alguém que já chegou a realmente tocar em muitos quantos são esses tipos de dados, quero acrescentar também uma interpretação pessoal de como foi a facilidade de aquisição (O quão fácil foi o processo de extração desses dados?), a assertividade (O quão certo estou dos dados inputados ali, considerando principalmente a confiança depositada no processo de input?), a aplicabilidade (O quanto esses dados são aproveitáveis para as análises e tomadas de decisão em geral?), a interpretabilidade (O quão fácil é extrair insights desses dados?) e a representatividade (O quanto a população alvo desses dados está representada neles, como um todo?) de alguma dessas tipologias, contextualizadas sobretudo à saúde corporativa.

Assim, considerando uma escala Likert de 5 pontos, onde 5 confere a pontuação máxima em determinado domínio e 1 ponto confere a pontuação mínima em determinado domínio, aqui está a minha impressão:

Interpretação Pessoal Sobre as Bases de Dados em Saúde Corporativa. Fote: Próprio Autor

Totalmente subjetiva, a pontuação tenta mostrar as peculiaridades do trabalho com algumas bases de dados em saúde, cada qual com pontos positivos e pontos negativos com que me deparei no meu trabalho. Vocês, que igualmente lidam com esses dados, podem ter tido uma experiência bastante diversa, e é o que queremos muito ouvir, para trocarmos algumas "figurinhas".

No entanto, dentre as bases listadas, uma em especial me chama a atenção: a base de contas médicas, ou o chamado sinistro. No meu cotidiano, essa base de dados tem sido um insumo frequente, de modo que muitas das análises descritivas, inferenciais ou preditivas que desenvolvemos bebem prioritariamente dessa fonte. E isso não é por acaso: Como é a economia a engrenagem que gira os sistemas de saúde em seus bastidores, dados transacionais que demarcam a compra e venda de procedimentos estão ubiquamente disponíveis de forma digital, simplesmente porque todo mundo se preocupa mais em registrar informações para receber o seu pagamento do que para qualquer outra coisa (e aqui, temos pano para manga para discutir posteriormente sobre como a economia comportamental pode contribuir para reestabelecer uma agenda positiva para os sistemas de saúde).

Mas veja que interessante: por mais que os registros se refiram tão somente a uma transação econômica efetuada, é possível daí extrair muitos insights clínicos e epidemiológicos, porque de fato existe correlação inclusive com dados de prontuário, os quais, por outro lado, seriam muito mais difíceis de se obter e minerar.

Para perceber isso, pense na fatura do seu cartão de crédito pessoal, o qual, em alguma medida, tem uma estrutura semelhante aos dados de uma conta médica (o que foi consumido, por quem, qual dia, em qual lugar, entregue por qual fornecedor e a que preço). De forma anedótica, seria igualmente possível inferir como anda sua condição de saúde olhando apenas para seu comportamento de consumo, expresso na sua fatura de cartão de crédito ("Será que tem pedido muito Ifood?", "Será que faz algum esporte?", etc).

Estudo correlacionando dados clínicos e de conta. Fonte: Arcadia Healthcare Solutions, 2015

Com isso em mente, no projeto Health Intelligence da 3778 também executamos alguns estudos relacionando ao uso de dados de conta médica. Um deles foi justamente nesse sentido: verificar o quanto conseguimos identificar pelos dados de sinistro os pacientes cujo diagnóstico já foi estabelecido em prontuário, validado por médicos.

E, do mesmo modo que a literatura, também aqui estabelecemos uma alta especificidade e uma baixa sensibilidade de detecção, o que era de se esperar frente a duas questões problemáticas que ocorrem ao se trabalhar com uma base de sinistro para o propósito clínico epidemiológico:

  • O comportamento de solicitação desmedida de procedimentos, dado infelizmente por uma prática comum e geral de sobrediagnóstico e de sobre tratamento, faz com que seja difícil discriminar perfeitamente o perfil de realização de procedimentos de um paciente doente de um paciente saudável, porque também para o paciente saudável são inadvertidamente solicitados muitos exames e realizados muitos procedimentos. Por esse motivo, é propositadamente preferível elevarmos o limitar de detecção, para privilegiar a especificidade sobre a sensibilidade, sob pena, caso contrário, de dizer que várias pessoas saudáveis são doentes (falso positivo). Isso me faz lembrar inclusive que essa decisão de limiares para modelos de classificação em saúde, cujos rótulos positivos estão quase sempre desbalanceados, é um assunto muito legal para próximos encontros, onde poderia contar para vocês como foi a realização do trabalho de conclusão de curso de Informática e Ciência de Dados na Saúde do Hospital Albert Einsten, que envolveu semelhante decisão.
  • Além disso, fato é que as pessoas que estão representadas no sinistro possivelmente já estão em algum ponto avançado da história natural de suas doenças para que tenham de fazer procedimentos específicos para elas. Dessa forma, as pessoas que estão em um ponto mais precoce da história natural de suas doenças ainda não "apareceram" no sinistro, muito embora já devam constar em outras bases, como a base de exames e inquéritos populacionais. Esse outro ponto me faz pensar também sobre como o sistema de saúde é uma verdadeira colcha de retalhos em termos de representação de dados, pois existem dados dispersos em vários locais, registrados em vários sistemas e sob a propriedade de várias entidades. Juntar tudo isso é um trabalho difícil, mas que terá de ser feito para conseguir contar uma história única sobre os dados dos pacientes. Logo mais contarei para vocês também como temos caminhado nessa "costura".

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